segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Maquiavel, o Ministério de Dilma e o exemplo de Lincoln, por Aldo Fornazieri


Maquiavel, o Ministério de Dilma e o exemplo de Lincoln, por Aldo Fornazieri




DILMA E O MINISTÉRIO
Já se sabia durante a campanha eleitoral, fosse quem fosse o vencedor, que o ano de 2015 não será fácil para o Brasil e para o governo. Será necessário fazer um ajuste fiscal num contexto de baixo crescimento. O ajuste é  importante para recuperar a confiança do governo. Tendo em vista que a margem do governo é limitada, pois existem recursos orçamentários comprometidos constitucionalmente e legalmente, o problema todo é que haverá conflitos e tensões para definir quem pagará a conta. O governo precisará encontrar um caminho e um equilíbrio difíceis para o ajuste que preservem as conquistas sociais e ao mesmo tempo estabeleçam condições de retomada do crescimento. Quanto mais suave e quanto mais se prolongar no tempo o ajuste, mais o governo Dilma tenderá a caminhar para 2018 com poucas realizações. Outra conseqüência é que terá mais dificuldade de recuperar a confiança, necessária para a retomada dos investimentos produtivos e do crescimento.
A recuperação da confiança passa também pela repactuação das políticas públicas com os diversos setores econômicos e sociais e pelo estabelecimento do diálogo democrático com a sociedade, algo que não existiu no primeiro mandato. E aqui entra o problema dos operadores do governo – os ministros – pois eles deveriam desempenhar um papel fundamental na repactuação e no exercício do diálogo democrático. O ministério do primeiro mandado de Dilma, com raras exceções, caracterizou-se pela fraqueza e pela ausência. Muitos ministros simplesmente passaram desapercebidos. Comenta-se que o estilo centralizador da presidente não lhes permitia autonomia. O trato inadequado de Dilma para com seus ministros fez com que a relação fosse muito mais de temor do que de criatividade política e de espírito de iniciativa, funções que nascem da confiança e da autonomia. Os ministros deveriam esclarecer o porquê aceitaram essa relação de sujeição quase absoluta.
Se Dilma pretende recuperar a confiança do governo com mais celeridade, o ministério do segundo mandato terá que ser fundamentalmente outro, tanto em termos dos nomes que deverão compô-lo, quanto em termos da relação da presidente com seus ministros. A rigor, não existe um paradigma que sirva de baliza universal acerca de como um chefe de governo deve compor seu ministério. Mas existem alguns ensinamentos da filosofia política e alguns exemplos históricos que podem servir de parâmetro e bússola para os governantes acerca das escolhas dos auxiliares.
Um dos ensinamentos da filosofia política e da observação histórica indica que governantes fracos, inseguros ou autocratas, normalmente compõem ministérios subservientes e igualmente fracos. Governantes fracos geralmente se cercam de aduladores. Os aduladores, por serem fracos e subservientes, sempre escondem a realidade das situações ao governante, com o objetivo de não contrariá-lo e de obter a sua graça. Sabe-se também que não há como um país ser forte e desenvolver-se com governos fracos.
As indicações de Maquiavel e o exemplo de Lincoln
Maquiavel oferece algumas indicações acerca de como o governante deve proceder em relação aos seus ministros. Afirma que “a sensatez de um príncipe define se os ministros que ele escolhe para si serão bons ou maus”. Ele chega a cortejar, com outras palavras, o dito antigo que afirmava: “dize-me com quem andas e eu te direi quem és”. Recomenda recrutar auxiliares eficientes, sábios e fiéis. Se o governante é prudente, sempre se aconselhará quando julgar necessário. Com a qualidade dos auxiliares e por ser prudente, o governante ganhará reputação e confiança. O valor do governante é dimensionado também pela reputação de seus ministros.
Maquiavel acrescenta que, e isto vale também para os governantes, há três tipos de cérebro: “o   que entende as coisas por si mesmo; o que somente entende as coisas através do que os outros entendem; e o que não entende nem por si mesmo nem através dos outros. O primeiro tipo é excelentíssimo; o segundo, excelente; e o terceiro, inútil”. Segundo ele, na relação entre o governante e o ministro, o primeiro deve observar se o segundo pensa mais em si próprio do que no governante. O dever do ministro é o pensar e agir sempre em função dos objetivos do governo e do Estado. Assim, se o ministro é honesto, eficiente e fiel, o governante deve honrá-lo, reconhecendo seu trabalho e dando-lhes novas atribuições. As honrarias e o reconhecimento, no entanto, não podem despertar as ambições pessoais do ministro. Isto permitirá que se estabeleça uma relação de confiança e de autonomia entre o governante e seu auxiliar.
Um exemplo histórico que pode ser evocado para discutir o assunto é o de Abraham Lincoln. Antes de se eleger presidente, a carreira política de Lincoln era apagada e de poucos sucessos. Eleito presidente, ele surpreendeu a todos ao nomear como secretário de Estado, secretário do Tesouro e secretário da Justiça, respectivamente William H. Seward, Salmon P. Chase e Edward Bates. Os três, que eram políticos com grande reputação e prestígio, haviam concorrido justamente contra Lincoln na indicação da candidatura do Partido Republicano. Os outros secretários também foram escolhidos entre nomes reputados e experientes. Doris K. Goodwin afirma, no livro Lincoln, que todos os secretários eram mais conhecidos, tinham mais instrução e eram mais experientes na vida pública do que ele. Ao proceder assim, Lincoln deu prova de autoconfiança e emergiu como um chefe, um verdadeiro líder político, dotado de coragem e apto a conquistar a grandeza no enfrentamento das adversidades e vicissitudes que estavam por vir.
Dilma precisa decidir como pretende ser vista e que lugar quer ocupar na história do Brasil. No primeiro mandato, ficou devendo. Ganhou a chance de redimir-se, mas para isto ela precisa mudar na sua forma de agir e precisa mudar muita coisa em seu governo. Poderá começar essa mudança nomeando um ministério forte, com pessoas honestas, eficientes e experientes e estabelecer um novo tipo de relação com elas. É certo que há a dificuldade da composição com os partidos. Mas também aqui poderia inovar, estabelecendo critérios racionais, legítimos e aceitáveis. Cada partido da coalizão deveria ter um peso proporcional e aproximado no governo ao peso alcançado nas urnas. Dilma precisa, necessariamente, negociar e ouvir os partidos. Mas a responsabilidade última pela nomeação dos ministros é  ou deveria ser dela.
Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.
             
            

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

PSDB dá vazão ao golpismo, por Aldo Fornazieri,

PSDB dá vazão ao golpismo, por Aldo Fornazieri




Involuntária ou voluntariamente, o PSDB está estimulando setores golpistas. Sem nenhum indício de que tenha havido irregularidades nas eleições presidenciais do segundo turno, o partido pediu ao Tribunal Superior Eleitoral uma auditoria especial do pleito. No pedido, o PSDB afirma o seguinte: “Temos absoluta confiança de que o TSE cumpriu seu papel, garantindo a segurança do processo eleitoral”. Assim, sem evidências e com a manifestação dessa “confiança”, o PSDB se mostra um pescador de águas turvas e lança uma suspeição geral sobre a legitimidade das eleições sem ter a coragem de assumir claramente este objetivo. Pedir a auditoria de eleições é um direito que assiste os partidos, desde que haja evidências de irregularidades. Caso contrário, abre-se um grave precedente que pode desaguar na instabilidade política e na erosão da confiança na Justiça Eleitoral, construída arduamente no pós-regime militar.
Uma das coisas que o Brasil pode se orgulhar de sua democracia é a confiabilidade e a credibilidade de seus processos eleitorais. A confiança e a experiência acumuladas permitem que a cada eleição se busquem superar deficiências e corrigir erros eventuais. Queira-se ou não, a suspeição lançada pelo PSDB sobre as últimas eleições provoca ressonâncias nas manifestações golpistas que se expressam na internet e nas ruas, como ocorreu em ato realizado em São Paulo no último sábado, no qual os manifestantes pediram um misto de impeachment de Dilma e de golpe militar.
Já durante a campanha eleitoral de Aécio Neves, o PSDB permitiu que se abrigassem como seus apoiadores setores golpistas e indivíduos e grupos que manifestaram preconceitos anti-nordestinos, homofóbicos, racistas e contra as mulheres. Elementos intolerantes estimularam a violência física e verbal contra pessoas que, simplesmente, portavam adesivos de apoio a Dilma. O ódio ao PT foi moeda corrente na campanha de Aécio. Até mesmo divisionistas se agregaram à campanha, pregando, ou a independência de São Paulo ou a exclusão do Norte e do Nordeste do resto do Brasil. Não houve nenhuma condenação dessas manifestações antidemocráticas e preconceituosas, seja por parte de Aécio, seja por parte do PSDB.
O PSDB é politicamente responsável por essas manifestações e deve ser cobrado por isso. Convém lembrar que quando setores do PT propuseram a campanha do “Fora FHC”, o Congresso Nacional do partido, realizado em novembro de 1999, aprovou uma resolução rejeitando a iniciativa. Os tucanos precisam manifestar-se, tanto sobre as proposta de golpe, quanto sobre a palavra de ordem do impeachment de Dilma se não quiserem continuar dando vazão a este tipo de manifestações. O PSDB e os demais partidos que têm uma história de luta contra o autoritarismo e em defesa da democracia, incluindo o PT, não podem permitir que elementos oportunistas e carreiristas, vindos de outras bandas, contaminem e destruam a cultura democrática que os formaram.
 As pregações da divisão do Brasil e de apelo ao golpe militar são atentados contra a Constituição. Os detentores de cargos eletivos que se manifestarem pela divisão do Brasil ou pelo golpe devem ser processados politicamente e, por consequência, devem ter seus mandatos cassados, dada a gravidade de seus atos. O Artigo 1° da Constituição afirma que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito...”. Este artigo estabelece o princípio da unidade e da indivisibilidade do território nacional, organizado de forma federativa. Propor a divisão representa uma grave violação constitucional.
O parágrafo 4° do Artigo 60 da Constituição define como cláusulas pétreas (imutáveis), “a forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais”. As cláusulas pétreas, cuja origem remonta à Constituição norte-americana e cuja relevância foi evidenciada na Constituição alemã de 1949, definem os conteúdos essenciais do constitucionalismo democrático, assentados no asseguramento da ordem democrática, na defesa das liberdades individuais e no limite do poder. Propor o golpe militar também representa uma violação deste dispositivo constitucional. O que fica claro é que os comandos constitucionais que fundam os pilares democráticos do Brasil precisam ter consequências práticas. Ou seja, o que falta é uma lei de defesa da democracia que tipifique criminalmente e responsabilize aqueles que pregam o golpe militar e a divisão do Brasil e cometam atos que violam o Estado de Direito.
Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política. 

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